segunda-feira, 24 de maio de 2010

CONTRABANDO - Sacoleiro sofre com mais roubos rumo ao Paraguai

Escalada da violência nas estradas da região preocupa os viajantes
Marcelo Toledo - Folha de São Paulo

Folha acompanhou grupo vindo de Passos, em viagem de 1.182 km, marcada pelo medo, insegurança e cansaço.


Carregado de sacoleiros, um ônibus é interceptado por um carro que aponta uma rota alternativa para desviar da fiscalização perto da fronteira com o Paraguai. Mas o que seria gentileza era, na verdade, uma tentativa de assalto.

Esse é só um dos problemas vividos por sacoleiros da região que se aventuram em três Estados para ir ao país vizinho fazer compras.

O dólar baixo, a economia em crescimento após a crise global e a perspectiva de conseguir uma renda extra ou mesmo de viver da venda de produtos comprados no Paraguai faz sacoleiros de São Paulo, Minas Gerais e Paraná viajarem em busca de bons preços, ao custo de enfrentar assaltos em rodovias.

Só neste ano, foram registrados ao menos dez na rota para Foz do Iguaçu (PR) -cinco na região-, o último na terça-feira, quando um grupo que deixou Araçatuba foi roubado em R$ 200 mil.

A Folha acompanhou um ônibus de sacoleiros que deixou Passos (MG), de onde partem os veículos com a maioria dos passageiros da região, e foi à fronteiriça Ciudad del Este, numa viagem de 16 horas e 1.182 quilômetros, marcada pelo medo, pela insegurança e pelo cansaço, como o do comerciante Antônio (nome fictício), que viaja pelo menos três vezes por mês para fora do país e já foi vítima de dois assaltos.

O roteiro dos roubos lembra um filme: com muito dinheiro para comprar à vista no Paraguai -não há relato de roubos com valores inferiores a R$ 20 mil-, os sacoleiros têm seus ônibus abordados a tiros em rodovias, principalmente perto de lavouras de cana-de-açúcar -fartas nos três Estados-, por homens fortemente armados, em potentes automóveis importados.

Eles mandam o ônibus entrar nos canaviais e assaltam os passageiros, que são obrigados a ficar nus e são trancados no bagageiro.

Os assaltos ainda acontecem sempre à noite e no trajeto de ida, quando os sacoleiros têm dinheiro para pagar as mercadorias, o que pode transformar um assalto bem sucedido em um genérico de roubo a bancos. Não há relatos de roubos à luz do dia.

"Os produtos não interessam. Eles querem apenas dinheiro e celulares. Os ladrões nos obrigaram a entrar por uma estrada de terra e nos assaltaram. Depois disso, só viajo de carro", disse o sacoleiro Gustavo, que foi assaltado em Peabiru (PR) no final de abril, na PR-317, após o ônibus ser interceptado por um falso veículo policial.

Por causa da semelhança entre os roubos -na região, a maioria ocorreu na Anhanguera-, a polícia não descarta a possibilidade de os assaltos serem praticados por uma mesma quadrilha.

Nova onda

O levante enfrentado pelos viajantes é o segundo em cinco anos na região. Em 2005, empresas de ônibus passaram a pagar por escolta armada, o que reduziu roubos.

Agora, com a rigidez da fiscalização da Receita Federal e o desinteresse de parte dos sacoleiros, o valor da escolta subiu muito, o que a inviabilizou a segurança e facilitou a ação de criminosos.

E não foram só os sacoleiros Antônio e Gustavo que pediram para ter as identidades preservadas. Muitos deles temem ser identificados e perseguidos, principalmente por exceder a cota mensal isenta de impostos, de US$ 300 (ou R$ 558, ao câmbio de anteontem).

A Folha presenciou um sacoleiro trocar US$ 1.500 numa casa de câmbio num calçadão da cidade paraguaia.

Segundo ele, isso acontece porque a cota é ínfima. "Só por ela não dá para viajar."

O comerciante aposentado Mário Dutra, 57, único de Ribeirão no grupo acompanhado pela reportagem, disse "aplicar" US$ 500 em suas viagens, o suficiente para gerar US$ 1.200 em negócios.

"Se eu ganhar R$ 200 ou R$ 300 estou no lucro, porque sou aposentado." Para trazer mais, alguns apelam a "laranjas", que cobram de R$ 10 a R$ 110.
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fonte: Jornal Folha de São Paulo, caderno Brasil, 23/05/2010.
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CONTRABANDO - Fiscalização e custo da escolta provocam fuga

São dois, basicamente, os problemas apontados pelos comerciantes
Da Redação - Folha de São Paulo

A nova insurreição enfrentada pelos sacoleiros nos 1.128 quilômetros que separam Passos (MG) de Foz do Iguaçu (PR) e a pressão da Receita Federal na chamada zona secundária de fiscalização fazem com que menos passageiros se aventurem em busca de preços baixos.

São dois, basicamente, os problemas apontados pelos comerciantes: o gasto extra com escolta, para tentar evitar assaltos, e o risco de perder as mercadorias em fiscalizações na aduana ou em barreiras na rodovia BR-277.

Se há cerca de cinco anos partiam de Passos até 12 ônibus lotados por semana de seis empresas rumo ao país vizinho, hoje a viagem é feita por três veículos, com 50%, em média, de ocupação.

"Piorou muito, já que hoje viajo com 25 passageiros, no máximo. Cheguei a viajar três vezes por semana com 45 pessoas", disse o empresário Vanderci de Souza, 46, da WV Turismo, de Passos.

A alternativa para evitar assaltos é a escolta armada, que fez parte da rotina entre 2005 e 2006, quando houve 18 roubos na região, com uma morte e prejuízo de R$ 1 milhão a 720 passageiros.

Com a desistência de passageiros de viajar, o custo da escolta (com dois seguranças armados e um carro) inviabilizou o pagamento pelos que restaram. Por viagem, ela custa até R$ 1.800, valor que é rateado pelos passageiros.

Isso fez o total de assaltos voltar a crescer. "Com 20 pessoas, o custo chega a R$ 90 por cabeça. É caro", diz Vandeir Lara, da Brasil Turismo.

A escolta é importante para "interceptar" veículos que tentem fechar o ônibus, manter comunicação e intervir quando detectar suspeitos.

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fonte: Jornal Folha de São Paulo , caderno Brasil - 23/05/2010
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